Dona Kika – Orson Peter Carrara

Ela foi encontrada enroscada num portão, com menos de 2 meses de idade. Machucada, faminta, suja, traumatizada. Foi trazida para casa por um dos filhos e a namorada. Nada entendo de raça de cães, só sei dizer que era muito feia, uma filhote barbuda inclusive.

Nossa atitude, minha e da esposa, foi de recusa imediata. Já tivemos um caso traumático com outro cão que, nada dócil, traumatizou a família face às dificuldades para cuidar dele. Depois que ele morreu, fizemos um acordo familiar para nunca mais termos animais em casa.

O filho prometeu que seria por aquela única noite, pois no dia seguinte levaria o animal para outra residência, o que realmente aconteceu. Mas naquela noite, quem é que dormiu? A filhote fez barulho durante toda a noite, inquieta pela habitação diferente. No dia seguinte, foi embora. Isso aconteceu de quarta para quinta-feira daquela semana de janeiro.

No sábado à noite, ao chegarmos em casa, nos defrontamos com o mesmo animal, agora limpo, mais cuidado. A pergunta foi inevitável e a resposta é que a outra família havia devolvido o animal, no que retrucamos também não desejar o cão em casa, especialmente em função dos acontecimentos anteriores e do acordo familiar firmado há alguns anos. Como era noite de sábado, a promessa foi de que na segunda-feira ela iria para o canil, caso não se conseguisse família que a adotasse.

No fim de semana o envolvimento dos filhos com o cão foi intenso e no final de domingo já a chamavam de Dona Kika. Na segunda-feira, minha pressão para o contato com o canil resultou que o funcionário da Prefeitura Municipal viesse buscá-lo na hora do almoço. Assinado o documento, o dócil e pequeno animal não resistiu aos braços do funcionário. No fechamento da porta traseira do veículo, com vidro, observei o pequeno cão e seu olhar de súplica, com a cabeça tombada, cortou-me o coração como uma lâmina que me cortasse o peito.

Naquela noite, ninguém dormiu. A família inteira chorou. Somou-se o remorso à saudade, o arrependimento à vontade de recuperar a convivência com o dócil animal. Na  terça-feira lá estava eu no canil, agora para buscar Dona Kika. Aí o coração partiu novamente, na verificação das condições do canil, repleto de cães de todas as raças, tamanhos e cores.

Quando nos ouviu a voz, a pequena filhote passou pelas pernas do funcionário que havia laçado outro cão, por engano, e pulou sobre nós, agora de alegria, de gratidão. Trouxemo-la de volta para casa. Um animal dócil, há um ano já conosco, descontraindo a família, saudando a todos com imensa alegria e peraltice, diga-se de passagem, todo dia.

Apesar das peraltices próprias de um cão, é um animal dócil e resignado. Tornou-se amiga de todos, que a querem bem e vibram de alegria pela sua presença sempre carinhosa. Muito diferente do antigo cão, D. Kika faz as alegrias e a descontração da família.

Conto essa história em minhas palestras, para risos do público que se diverte, especialmente pela dramatização incluída na narrativa, despertando manifestações da Sociedade Protetora dos Animais, do público em geral, inclusive por meio de e-mails enviando saudações à cachorrinha, cuja foto tive que exibir nas palestras, por pedido do próprio público, que solicitou essa inclusão.

Incrível como pequenos acontecimentos trazem novos ares e ensinam tantas coisas. O sentimento do animais é um desses recursos que a vida usa para nos ensinar tantas outras coisas.  A vida é mesmo repleta de surpresas e acontecimentos, todos eles nos querendo dizer alguma coisa. Nunca imaginei que escreveria sobre ela, embora conte a história em palestras, mas este relato também foi a pedido de uma admiradora que se empolgou a com a história narrada na palestra e pode indicar estudos e reflexões para nosso próprio aprimoramento no tocante aos sentimentos.

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Orson Peter Carrara.

Nasceu em Mineiros do Tietê – SP no dia 10 de março de 1960. Filho de pais espíritas (Roberto Pasqual Carrara e Genoefa Altemari Carrara), desde cedo vinculou-se ao Centro Espírita “Francisco Xavier dos Santos”, onde participou das antigas Aulas de Espiritismo às Crianças, da Mocidade Espírita e chegou à Presidência da Instituição por várias gestões. Na época de infância e mocidade, recebeu grande influência, em sua formação doutrinária do tio Pedro Carrara, autêntico e valoroso espírita da cidade, além dos exemplos dos pais no trabalho espírita. Atualmente reside em Matão – SP com a família. É casado com Aparecida Neuza Marana Carrara. Os filhos Cíntia, Cássio e Alexandre (os dois últimos, gêmeos) completam-lhe a família. Expositor espírita, tem percorrido muitas cidades do Estado de São Paulo e já esteve nos Estados de Pernambuco, Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro, Rio Grande do Sull, Piauí, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Norte, Paraiba,  por várias vezes, para tarefas de divulgação espírita.Articulista da imprensa espírita, tem colaborado com diversos órgãos da imprensa espírita, entre revistas e jornais do país, além de boletins regionais, colunista da Rádio Alô. Tendo presidido por várias gestões a Use Regional Jaú, adquiriu grande experiência e enorme relacionamento com as Casas Espíritas da região, o que lhe valeu ampliar os contatos com dirigentes e instituições espíritas. Desse enorme relacionamento nasceu a idéia (hoje realidade concretizada) de organizar jornada de palestrantes, de diversos lugares do Brasil, que visitam variadas instituições, em programações específicas de divulgação espírita.Também mantém colunas em diversos jornais e sites não espíritas, com abordagens de estímulo ao crescimento do ser humano, onde normalmente faz indicações de filmes e livros, entre outras abordagens.